Um espaço de expressões diversas sob um olhar psicanalítico. O ILPC - Instituto Latino-americano de Psicanálise Contemporânea promove a produção psicanalítica da contemporaneidade. Oferece FORMAÇÃO EM PSICANÁLISE buscando fundamentar-se em padrões de seriedade, ética e transparência. Rua Luís Góis, 1531, Mirandópolis, São Paulo. Contato: 11-3562.3700 site: www.ilpc.com.br
segunda-feira, 16 de setembro de 2013
domingo, 15 de setembro de 2013
UMA NOVA PSICANÁLISE - OU A PSICANÁLISE DA CONTEMPORANEIDADE
Olivan
Liger
Setembro/2013
A
psicanálise tem como cerne de seu método a livre associação do
analisando e a escuta flutuante do analista. Esses dois atos
fundamentais do método são frutos de uma análise didática
transcorrida durante o treinamento que autoriza o sujeito a se tornar
um psicanalista e portanto não podem ser aprendidos num treinamento,
senão pela sua conceitualização. Tanto a livre associação quanto
a escuta flutuante encerram em si uma certa flexibilidade. É aceitar
o que vem... esperar, sem expectativa que algo ressalte de um
discurso e que dê sentido a uma cadeia de outros elementos
ressaltantes para que haja a interpretação. Essa flexibilidade dos
atos analíticos se inserem dentro de um formato, o qual denominamos
setting e que já não são tão flexíveis e tem como função
reduzir a resistência do paciente, como dizia Freud.
Quando
retomamos a história da psicanálise, encontraremos uma hiância
entre o que foi feito pelo ser fundante e o que se executa pelo
conjunto fundado.
Freud
atendia pacientes caminhando nos arredores de Viena. Estendeu o tempo
de sessão quando assim achou necessário e atendeu amigos próximos
em várias situações. Fez sua auto-análise e morreu sem elaborar
alguns de seus conflitos... Lacan, por sua vez, se fez conhecer por
sua atuação libidinosa em relação às suas parceiras, pelos seus
dois casamentos e também pelo seu narcisismo.
Klein
analisou a própria filha e por grande parte da sua vida, manteve com
ela um conflito que não foi resolvido até a sua morte.
Podemos
dizer que os grandes mestres eram humanos e traziam em suas histórias
as mazelas da existência e do existir.
Não
só transmitiram o saber psicanalítico, mas também foram
referências como seres humanos, como sujeitos constituídos pela
falta.
A
hiância se faz presente quando percebemos que algumas instituições
insistem em manter uma ortodoxia rígida, criam um estereótipo de
psicanalista que ao assumir um discurso profundamente técnico e
recheado de jargões, renunciam o que de humano são em detrimento de
uma posição de discurso de mestre. Não pode existir mestre sem ter
um sujeito que o sustente e todo sujeito é da ordem do humano.
Trabalham na contra mão da contemporaneidade, que exige não somente
mudanças de paradigmas, mas produz novas formas de subjetividades
que exigem uma nova posição do psicanalista, e na contra mão dos
elementos básicos da técnica psicanalítica, uma certa
flexibilidade para inovar, pluralizar e recriar.
Esta
é uma questão crucial na metodologia da transmissão do saber
psicanalítico que engessa os aspirantes à psicanalistas, promovendo
um padrão de discurso inapropriado, estereotipado e não produtivo.
Por
ser algo tão peculiar, o ensino e a transmissão da psicanálise
requer também de quem transmite, um estar na posição de mestre
diferenciado das demais formações.
De
todas as formações que lidam com o ser humano, a psicanálise é
aquela que lida com o que há de mais profundo na ordem do humano: a
angústia, o sofrimento e a verdade individual de cada ser. Como
promover alguém à uma posição de psicanalista, sem mostrar-lhe
uma referência humana no mestre? O discurso do mestre é antes de
mais nada o discurso de um ser humano que direciona seu foco para um
determinado conjunto de conhecimentos. Autoriza-se psicanalista quem
pelo humano passa e pelo humano se faz um psicanalista.
Quando
observamos um conjunto de treinandos em seminários psicanalíticos,
observamos um conjunto de seres humanos que apresentam conflitos
individuais e grupais, observamos acting-outs todo o tempo, críticas
e atos obsessivos. Os sintomas de cada um emergem e promovem uma
certa turbulência durante o treinamento. As críticas se agravam
quando a idealização é frustrada. A manipulação, o controle
neurótico e o jogo infantil que emergem com freqüência devem ser
submetidos à análise individual de cada treinando, porém entre a
emergência de tais sintomas e a elaboração dos mesmos, há de se
ter um olhar humano de quem algo transmite... de quem algo melhor
domina: o conhecimento do humano em si mesmo e no outro. Conhecimento
nunca completo pautado sempre pela falta constitutiva.
Aquele
que se propõe a transmitir a psicanálise tem que ter claro que o
conhecimento profundo é um requisito, mas não é o todo. Tomar a
parte pelo todo é patológico, é a pràtica perversa institucional.
Para transmitir esse saber tão desejado é necessário antes
desmontar a idealização do psicanalista estereotipado, e para tanto
é preciso mostrar que há um ser humano que sustenta o psicanalista.
Um sujeito que também se constituiu pela falta e que pelo recalque é
pertencente a um conjunto: o dos neuróticos, na melhor das
hipóteses. A única diferença entre o formador e o formando é o
domínio maior de um saber e uma análise concluída ou em fase de
conclusão que o possibilita um conhecimento maior de sua própria
precariedade e por conseqüência, da precariedade do outro.
Aquele
que se propõe a se autorizar psicanalista tem que ter claro que o
elemento essencial para que alcance o seu objetivo é a sua análise
pessoal que revelará a sua verdade e sua condição humana, além de
servir de referência de como trabalha um psicanalista. Todos os
demais aparatos, como seminários, produção científica, etc., tem
como função complementar o que se torna a base de tudo: a análise
pessoal ou, neste caso, didática.
O
psicanalista não é formado pelo conforto e suntuosidade de uma
instituição, as obras de artes espalhadas pelas paredes e uma vasta
biblioteca, mas é a interação de um corpo docente devidamente
habilitado na transmissão do conhecimento, mas que acima de tudo
serve como referência humana, que desmistifica o psicanalista como
detentor de um poder ou conhecimento que o coloca acima de qualquer
impacto da vivência de sujeito no mundo de atribulações da
contemporaneidade, que, de verdade, se preocupa com o aspirante e
suas dificuldades, que demonstra ser singular e respeita a
singularidade de cada um que aspire se tornar um psicanalista e que
faça prevalecer no seu discurso uma autenticidade vital que sirva de
referência para aquele que futuramente será seu colega de
profissão.
Lacan
foi não só um mestre no conhecimento, mas um mestre na
autenticidade com a qual circulava desembaraçadamente no seu meio.
Um estilo próprio, sem copiar, sem se tornar um estereótipo... um
estilo que denotava o quanto sua psicanálise precisava do sujeito e
sua constituição única que a sustentasse.
A
contemporaneidade exige mais de um psicanalista, exige a ousadia de
produzir novos conceitos, de conhecer sua própria história para
sustentar seu discurso. É um novo tempo no qual a atuação do
psicanalista precisa ir além da técnica, além do molde e recriar
dentro de um eixo ideológico que comporta o saber psicanalítico,
novas ampliações do saber, do ser psicanalista e do estar no mundo
enquanto um sujeito que existe desde sua constituição e que se
tornou um psicanalista.
A
ortodoxia e a rigidez vão contra a corrente da pós modernidade e o
resultado final desse combate é o engessamento da psicanálise e sua
transmissão adequada.
Freud
é e será sempre a base de todo o saber psicanalítico, porém
deixou uma herança de um legado inacabado. A contemporaneidade é o
espaço de constituição de novas subjetividades que a teoria
freudiana já não pode dar conta. As patologias pré-edípicas pedem
novas releituras dos textos freudianos e é através dos herdeiros de
Freud que a psicanálise se torna atualizada, renovada e
contemporânea. É com Lacan que vamos traduzir o delirio psicótico,
com Kernberg poderemos olhar as organizações borderline e os
estados limites com uma melhor compreensão e assim por diante.
À
instituição cabe hoje entrelaçar saberes, de Freud aos
contemporâneos, de tal forma a promover uma visão ampliada do campo
de aplicação da psicanálise
A
isto, chamamos psicanálise contemporânea.
terça-feira, 3 de setembro de 2013
SOBRE AS PERVERSÕES
Autor:
Olivan Liger
Encontramos
na teoria do desenvolvimento infantil de Freud, o termo “ perverso
polimorfo” para designar um estágio infantil constitutivo comum no
desenvolvimento, no qual o bebê busca a satisfação imediata de
suas pulsões, almejando sempre um estado de prazer. Esta busca está
fundamentada pela organização libidinal das zonas erógenas. Num
primeiro momento do desenvolvimento, o mundo é introjetado pela
boca: lamber, morder, sugar são formas costumeiras de obtenção do
prazer na fase oral de desenvolvimento.
A
partir daí, o bebê vai descobrindo novas formas de prazer como o
olhar e o sorriso da mãe, a qual a criança contempla extasiada, o
toque da mãe: o prazer de ser olhado e de olhar, de ser tocado e de
tocar.
Sob
a égide de relações dicotômicas caracterizadas pela
exclusividade, a mãe é somente do bebê e para ele. Quando a mãe
direciona seu olhar e atenção para outro objeto, a relação
exclusiva de inclusão se transforma em exclusão, aquilo que era
extremamente prazeroso se transforma subitamente em desprazer. As
relações do bebê são operadas de forma narcísica e
auto-referente, se posicionando no centro e desprezando o outro
enquanto desejante, posicionando o como objeto para o seu prazer.
Esta
forma primordial de operar suas relações faz do bebê, para Freud,
o perverso polimorfo. Perverso por considerar somente a satisfação
de seu desejo. A diversidade de formas no qual o prazer é obtido
designa a terminologia “polimorfo”. Nesta posição perversa
polimorfa repousa a base de construção do perverso adulto.
No
continuum de desenvolvimento, esta fase deve ser superada e novas
formas de relação deverão destituir a posição primordial
perversa polimorfa.
A
mãe, que até então estava mergulhada na ilusão de completude
narcísica junto ao seu bebê vai retomando a sua vida de mulher, de
esposa e dona de casa ou de profissional, iniciando um processo de
afastamento penoso para o bebê, que vai se dando conta de não ser o
falo da mãe e da existência de outro(s) que entram na ciranda das
relações. Para Lacan, é o momento de entrada no primeiro tempo do
Édipo. Para Freud, o bebê está lidando com sua agressividade
direcionada à mãe na vivência da etapa sádico-canibal da fase
oral.
É
neste instante que instala-se a função ética no bebê, quando
passa a sentir temor de perder o amor e o afeto da mãe. Essa função
servirá para a base de fundação do supereu mediante o advento do
recalque.
Podemos
inferir que a entrada do pai na relação até então dual e o
consequente interdito por esse operado se dá sem uma única ação
ou palavra do pai. A presença psíquica do terceiro (o pai) se faz
pelo afastamento da mãe e pela percepção de que a mãe tem alguém
mais a quem ela ama: o pai. O interdito é um ato simbólico que dá
marco de entrada da metáfora d'O Nome do Pai, que por homofonia na
língua francesa pode significar “o nome do pai” ou ainda “ o
não do pai” (nom-du-pére).
A
metáfora d'O Nome do Pai marca a entrada no complexo edípico
através da circulação do falo, da
introdução
da lei, da cultura e da civilização, marca também a definição
das estruturas psíquicas na psicanálise. A posição de perverso
polimorfo encontrará a frente uma mãe idealizada, detentora de um
falo próprio, que no seu discurso e olhar destitui o pai de
autoridade. O pai, nessa relação é um resignado, ausente e
impotente/omisso diante da mãe/esposa castradora.
Toma
o cenário edípico uma defesa primitiva, a Verleugnung
(denegação, recusa, desmentido). O pai fraco, destituído da função
paterna do interdito tem a sua fala e ação aceita aparentemente,
mas desafiada e transgredida todo o tempo.
O
pai não tem o falo, se o tem está encoberto pela posição fálica
materna. Porém, chegará o momento de confronto com a castração da
mãe. Se essa criança aceitar a castração materna, terá que
aceitar o falo paterno através do seu interdito, portanto para
denegar o interdito paterno, a mãe precisa se manter na posição
fálica.
Objetos
tais como roupas, roupas íntimas, sapatos, bolsas, partes do corpo
da mãe servirão como proteção asseguradora da manutenção da
posição de mãe falicizada. Desta forma, a castração materna é
negada e o olhar da criança fixado nos objetos de anteparo à visão
do corpo castrado da mãe serão tomados posteriormente como objetos
do fetiche do perverso.
Se
o recalque provindo do interdito paterno e da castração define a
estrutura neurótica e fará com que o sujeito busque sua
erogeneidade numa figura feminina que o remeta à mãe, o mesmo não
acontece na perversão. O perverso buscará o seu prazer nos objetos
e nas partes do corpo da mãe projetando-o ao longo da sua história.
Por ter aceito a castração simbólica de forma a flexibilizá-la
diante de suas conveniências e prazeres, o perverso preserva a
relação eu-prazer na sua existência, não havendo lugar para o
outro, o qual só poderá existir enquanto objeto de seu prazer. A
relação incestuosa passa a ser incluída no repertório de prazeres
infantis, sustentada pela cumplicidade materna.
Para
o perverso, perder o seu estatuto de singularidade e unicidade é
algo insuportável, por isto recusa a castração a todo custo. O ato
sexual é sempre algo conhecido e repetido que denota um imaginário
erótico pobre.
Com
relação ao superego do perverso, não houve a consolidação dessa
instância, pois sem o recalque, toda a introjeção das leis morais
e civilizatórias foram seriamente prejudicadas. A lei possível ao
perverso é a lei externa. Por medo de ser punido, tentará conviver
com a lei, desafiando e transgredindo a de tempos em tempos, na
surdina, burlando assim, a possibilidade da punição e reafirmando
para si mesmo o seu estatuto de não castrado.
Cabe
sempre ressaltar a diferença do perverso e da estrutura perversa.
Traços perversos podem aparecer nas estruturas neuróticas e
vice-versa. O espectro da estrutura perversa pode alcançar uma
variedade de nuances que vão desde uma simples pré-disposição às
perversões à psicopatia, caso este de perversão maligna extremada.
Mas, como Freud afirmou em 1905: todas as pessoas impõem
determinados atos perversos na obtenção do prazer sexual, sem
necessariamente estar sob os domínios da perversão. Podemos ampliar
essa afirmação para diversos outros aspectos da nossa vida: da vida
privada à vida pública, temos sempre uma ou outra atitude que
denota uma certa perversidade, ainda que caibamos no estatuto da
neurose.
Comumente,
vemos uma gama de perversos “legítimos” na contemporaneidade,
juntamente com outras patologias narcísicas. A variedade de não
neuróticos tende a se igualar com os “ legítimos” neuróticos.
Depois do advento da psicanálise de Lacan, ampliou-se o terreno dos
perversos.
O
perverso da contemporaneidade escala o poder para assegurar sua não
castração, na sua maioria.
O
poder assegura o seu estatuto de majestade perversa polimorfa. Quem
nunca cogitou a idéia de tratar-se de um perverso quando se depara
com notícias de corrupção, abuso de poder e crimes de colarinho
branco? O perverso, ao desafiar a lei, impõe ao outro que seja
cúmplice, vítima ou testemunha de sua transgressão. Muitas das
ações que vemos no dia a dia são neuróticos, que num ambiente
propício, onde a lei é denegada, são influenciados pelo poder do
perverso, transgridem a lei como cúmplices e acabam como alvo de
noticias e punições, enquanto o perverso se entrega ao prazer com o
seu sadismo e a afirmação do seu poder. Por outro lado, vemos casos
que um mesmo indivíduo se envolve sequencialmente em escândalos
como abuso de poder entre outros. Ao
longo da história do indivíduo, pode se enumerar diversos eventos
que denotam claramente a perversão, muitas vezes no tênue limite da
psicopatia.
Podemos
observar hoje a perversão de uma perspectiva macro; de instituições
perversas até nações perversas que designam nações menos
desenvolvidas como objetos utilitários para a manutenção do seu
poder. Recentes reportagens contam da prática de espionagem dos
Estados Unidos da América imposta a países menos desenvolvidos ou
não tão recente, sobre a devastação de países do Oriente Médio
pelos Estados Unidos, em prol da primazia bélica.
A
falência d´O Nome do Pai que abre espaço para a falicização da
mulher pode ser um dos fatores que incorrem numa maior incidência de
perversões e atuações perversas na contemporaneidade, assim como a
prática do hedonismo, a cultura narcísica, a inversão dos valores
éticos e morais, o princípio de entropia no qual todo discurso é
válido são características da pós modernidade que acabam por
criar um terreno fértil para a perversão.
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